Para quê filosofia?
Marilena Chauí
Conhece-te a ti mesmo
Um oráculo pode ser uma mensagem divina ou uma pessoa que recebe essa mensagem e a repassa para quem perguntou. Na Grécia antiga, essa pessoa normalmente era mulher e era chamada de sibila. Na cidade da Delfos, havia um santuário para o deus Apolo, o patrono da sabedoria, onde, sobre o portal da entrada estava a frase “conhece-te a ti mesmo”. Sócrates foi até esse santuário para descobrir se era um sábio, como as pessoas diziam; quando o oráculo perguntou o que ele sabia, ele disse: “só sei que nada sei”, e o oráculo disse que ele era o mais sábio de todos os homens por ser o único que sabia que não sabia. No filme MATRIX, Néo também leu a frase “conhece-te a ti mesmo”, que significava que só ele poderia saber se ele era “o escolhido”.
Neo e Matrix
Néo: novo, renovado.
Morfeu: filho do Sono e da Noite, era uma entidade que vagava entre os mundos e invadia os sonhos; usava uma papoula vermelha para acordar (despertar) as pessoas.
Matrix: vem do latim, “mãe”, significa útero. Seu poder, no filme,controla as pessoas através de uma realidade virtual. Um verdadeiro combate contra ela seria mental, e vencê-la significaria libertar os seres humanos do mundo de ilusão em que ela os colocou.
No filme, Néo era um hacker que invadia redes de computadores e decifrava seus códigos, era instigado por Morfeu a desconfiar que a realidade não era o que parecia ser.
Na Grécia antiga, Sócrates dizia se sentir instigado por um ‘espírito interior’ a desconfiar da aparência das coisas e buscar a essência delas, que supririam os anseios da alma, e ficava em um mundo superior, o mundo das idéias.
O mito da caverna
Pessoas presas dentro de uma caverna, com a possibilidade de ver apenas sombras, que lhes parecem o mundo real. Um desses prisioneiros se solta e sai da caverna, fica um pouco abalado ao descobrir o verdadeiro mundo, mas acaba se acostumando e volta, para tenta mostrar aos outros prisioneiros que o que eles conhecem não é real. Acaba sendo morto por ter ameaçado a realidade conhecida e incondicionalmente aceita pela maioria.
Fazendo um paralelo, as pessoas são a comunidade em que Sócrates (ou Néo) vivia, a caverna seria o mundo que parece real, o prisioneiro que se solta seria o filósofo (ou o hacker), o mundo real seria o das idéias (assim como no filme seria o mundo mental) e a caverna seria o mundo aparente da polis (ou o que a Matrix criou).
Nossas crenças costumeiras
Temos, em nossa sociedade, verdades estabelecidas que, embora sejam variáveis, normalmente, não são questionadas. Acreditamos que as coisas e os acontecimentos se relacionam e que podemos manipular essas relações em benefício próprio.
Exercendo nossa liberdade
Cremos ter uma vontade própria, e que quando a exercemos, estamos praticando um ato de liberdade. Quando uma pessoa mente e nos avisa, ou mente sem saber que o que diz é mentira, consideramos aceitável. E quando uma pessoa mente de propósito e sem avisar, consideramos inaceitável. Isso nos mostra o caráter da pessoa.
Conhecendo as coisas
Acreditamos que para ver as coisas como realmente são, que devemos ser objetivos e imparciais, sem nos deixar influenciar por sentimentos pessoais. No entanto, tomamos por realidade muitas coisas que consideramos naturais porque sempre estiveram presentes na nossa existência, como a vida em sociedade.
E se não for bem assim?
Por mais que acreditemos na nossa liberdade, somos dominados por regras sociais. Algumas vezes vivemos um conflito entre o que queremos e o que é socialmente aceito.
Momentos de crise
Acontecem quando indagamos sobre a validade ou realidade ou origem de algo que, para nós, sempre foi uma crença. Essa é a origem do pensamento filosófico, e a sede de conhecimento exprime exatamente o significado da palavra filosofia: “amor à sabedoria”.
Buscando a saída da caverna ou a atitude filosófica
Quando alguém decide investigar as opiniões estabelecidas ao invés de aceitá-las, buscando uma explicação racional (que possa ser entendida, aceita, questionada e respeitada) para todas as coisas, se separa da vida social e de si mesmo, iniciando uma atitude filosófica.
A atitude crítica
Geralmente ocorre nos momentos de crise, quando negamos tudo o que é pré-estabelecido e posteriormente questionamos “o que”, “por que” e “como” sobre algo. Esses dois momentos formam a atitude crítica.
Para que Filosofia?
É comum ouvirmos essa pergunta porque consideramos alguma coisa ‘útil’ quando podemos perceber seu uso prático e imediato. Nesse caso, realmente, a filosofia não serve para nada. Podemos dizer que a filosofia é a arte do bem-viver, que se baseia em virtudes, mas ainda que possamos atribuir uma finalidade à filosofia e a atitude filosófica, elas continuam sendo as mesmas e continuam a fazer perguntas intrigantes.
Atitude filosófica: indagar?
Se realiza com três indagações, independente do assunto investigado:o que é, como é, e por que é. Tem atitude filosófica quem buscar conhecer a si mesmo.
A reflexão filosófica
É a volta do pensamento para si mesmo, procura definir quais são os motivos que nos levam a pensar (ou fazer, ou dizer) o que pensamos, qual é o sentido desse pensamento e para quê pensamos isso.
Filosofia: um pensamento sistemático
Ocorrem sistematicamente, ou seja, com lógica, coerência, precisão e provas racionalmente fundamentadas, tudo de forma rigorosa para que as idéias não se contradigam, sendo, portanto, válidas.
Em busca de uma definição da Filosofia
Embora nenhuma definição possa ser considerada completa, podemos encontrar, inicialmente, quatro: visão de mundo, que corresponde a cultura social de cada povo, e por isso mesmo sendo muito ampla;sabedoria de vida, ou seja, a arte do bem-viver; esforço racional para conceber o universo como uma totalidade ordenada e dotada de sentido, que difere de religião já que busca compreender o universo de forma racional e não por meio da fé; fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas, que se ocupa em conhecer os fundamentos racionais do conhecimento.
Inútil? Útil?
Nossa sociedade considera útil o que gera resultados visíveis e imediatos. Muitos filósofos importantes definiram filosofia de diferentes formas, mas todas com um ponto em comum: o benefício humano. Tomando isso por verdade, podemos afirmar que a filosofia é a mais útil das atitudes humanas.
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