Estado de Natureza,
contrato social
Estado Civil: Hobbes, Locke e Rousseau
O conceito de
estado de natureza tem a função de explicar a situação pré-social na qual os
indivíduos existem isoladamente. Duas foram as principais concepções do estado
de natureza:
1. A concepção de
Hobbes (no século XVII), segundo a qual, em estado de natureza, os indivíduos
vivem isolados e em luta permanente, vigorando a guerra de todos contra todos
ou "o homem lobo do homem". Nesse estado, reina o medo e,
principalmente, o grande medo: o da morte violenta. Para se protegerem uns dos
outros, os humanos inventaram as armas e cercaram as terras que ocupavam. Essas
duas atitudes são inúteis, pois sempre haverá alguém mais forte que vencerá o
mais fraco e ocupará as terras cercadas. A vida não tem garantias; a posse não
tem reconhecimento e, portanto, não existe; a única lei é a força do mais
forte, que pode tudo quanto tenha força para conquistar e conservar;A concepção de Rousseau (no século XVIII), segundo a qual, em estado de
natureza, os indivíduos vivem isolados pelas florestas, sobrevivendo com o que
a Natureza lhes dá, desconhecendo lutas e comunicando-se pelo gesto, pelo grito
e pelo canto, numa língua generosa e benevolente. Esse estado de felicidade
original, no qual os humanos existem sob a forma do bom selvagem inocente,
termina quando alguém cerca um terreno e diz: "É meu". A divisão
entre o meu e o teu, isto é, a propriedade privada, dá origem ao estado de
sociedade, que corresponde, agora, ao estado de natureza hobbesiano da guerra
de todos contra todos.
O estado de
natureza de Hobbes e o estado de sociedade de Rousseau evidenciam uma percepção
do social como luta entre fracos e fortes, vigorando a lei da selva ou o poder
da força. Para fazer cessar esse estado de vida ameaçador e ameaçado, os
humanos decidem passar à sociedade civil, isto é, ao Estado Civil, criando o
poder político e as leis.
A passagem do
estado de natureza à sociedade civil se dá por meio de um contrato
social, pelo qual os indivíduos renunciam à liberdade natural e à posse
natural de bens, riquezas e armas e concordam em transferir a um terceiro – o
soberano – o poder para criar e aplicar as leis, tornando-se autoridade política.
O contrato social funda a soberania.
Como é possível o
contrato ou o pacto social? Qual sua legitimidade? Os teóricos invocarão o
Direito Romano – "Ninguém pode dar o que não tem e ninguém pode tirar o
que não deu" – e a Lei Régia romana – "O poder é conferido ao
soberano pelo povo" – para legitimar a teoria do contrato ou do pacto
social.
Parte-se do
conceito de direito natural: por natureza, todo indivíduo tem
direito á vida, ao que é necessário à sobrevivência de seu corpo, e à
liberdade. Por natureza, todos são livres, ainda que, por natureza, uns sejam
mais forte e outros mais fracos. Um contrato ou um pacto, dizia a teoria
jurídica romana, só tem validade se as partes contratantes foram livres e
iguais e se voluntária e livremente derem seu consentimento ao que está sendo
pactuado.
A teoria do direito
natural garante essas duas condições para validar o contato social ou o pacto
político. Se as partes contratantes possuem os mesmos direitos naturais e são
livres, possuem o direito e o poder para transferir a liberdade a um terceiro,
e se consentem voluntária e livremente nisso, então dão ao soberano algo que
possuem, legitimando o poder da soberania. Assim, por direito natural, os
indivíduos formam a vontade livre da sociedade, voluntariamente fazem um pacto
ou contrato e transferem ao soberano o poder para dirigi-los.
Para Hobbes, os
homens reunidos numa multidão de indivíduos, pelo pacto,
passam a constituir um corpo político, uma pessoa artificial criada
pela ação humana e que se chamaEstado. Para Rousseau, os indivíduos
naturais são pessoas morais, que, pelo pacto, criam avontade geral como
corpo moral coletivo ou Estado.
A teoria do direito
natural e do contrato evidencia uma inovação de grande importância: o
pensamento político já não fala em comunidade, mas em sociedade. A idéia de
comunidade pressupõe um grupo humano uno, homogêneo, indiviso, que compartilha
os mesmos bens, as mesmas crenças e idéias, os mesmos costumes e que possui um
destino comum.
A idéia de
sociedade, ao contrário, pressupõe a existência de indivíduos independente e
isolados, dotados de direitos naturais e individuais, que decidem, por uma ato
voluntário, tornar-se sócios ou associados para vantagem recíproca e por
interesses recíprocos. A comunidade é a idéia de uma coletividade natural ou
divina, a sociedade, a de uma coletividade voluntária, histórica e humana.
A sociedade civil é
o Estado propriamente dito. Trata-se da sociedade vivendo sob o direito
civil, isto é, sob as leis promulgadas e aplicadas pelo soberano. Feito o pacto
ou o contrato, os contratantes transferiram o direito natural ao soberano e com
isso o autorizam a transformá-lo em direito civil ou direito positivo,
garantindo a vida, a liberdade e a propriedade privada dos governados. Estes
transferiram ao soberano o direito exclusivo ao uso da força e da violência, da
vingança contra os crimes, da regulamentação dos contatos econômicos, isto é, a
instituição jurídica da propriedade privada, e de outros contratos sociais
(como, por exemplo, o casamento civil, a legislação sobre a herança, etc.).
Quem
é o soberano? Hobbes e Rousseau diferem na resposta a essa pergunta.
Para Hobbes, o
soberano pode ser um rei, um grupo de aristocratas ou uma assembléia
democrática. O fundamental não é o número dos governantes, mas a determinação
de quem possui o poder ou a soberania. Esta pertence de modo absoluto ao
Estado, que, por meio das instituições públicas, tem o poder para promulgar e
aplicar as leis, definir e garantir a propriedade privada e exigir obediência
incondicional dos governados, desde que respeite dois direitos naturais
intransferíveis: o direito à vida e à paz, pois foi por eles que o soberano foi
criado. O soberano detém a espada e a lei; os governados, a vida e a
propriedade dos bens.
Para Rousseau, o
soberano é o povo, entendido como vontade geral, pessoa moral, coletiva, livre
e corpo político de cidadãos. Os indivíduos, pelo contrato, criaram-se a si
mesmos como povo e é a este que transferem os direitos naturais para que sejam
transformados em direitos civis. Assim sendo, o governante não é o soberano,
mas o representante da soberania popular. Os indivíduos aceitam perder a
liberdade civil: aceitam perder a posse natural para ganhar a individualidade
civil, isto é, a cidadania. Enquanto criam a soberania e nela se fazem
representar, são cidadãos. Enquanto se submetem às leis e à autoridade do
governante que os representa chamam-se súditos. São, pois, cidadãos do Estado e
súditos das leis.
John Locke e a teoria liberal – No
pensamento político de Hobbes e de Rousseau, a propriedade privada não é um
direito natural, mas civil. Em outras palavras, mesmo que no estado de natureza
(em Hobbes) e no estado de sociedade (em Rousseau) os indivíduos se apossem de
terras e bens, essa posse é o mesmo que nada, pois não existem leis para
garanti-la. A propriedade privada é, portanto, um efeito do contrato social e
um decreto do soberano. Essa teoria, porém, não era suficiente para a burguesia
em ascensão.
De fato, embora o
capitalismo estivesse em via de consolidação e o poderio econômico da burguesia
fosse inconteste, o regime político permanecia monárquico e o poderio político e
o prestígio social da nobreza também permaneciam. Para enfrentá-los em
igualdade de condições, a burguesia precisava de uma teoria que lhe desse uma
legitimidade tão grande ou maior do que o sangue e a hereditariedade davam à
realiza e à nobreza. Essa teoria será a da propriedade privada como direito
natural e sua primeira formulação coerente será feita pelo filósofo inglês
Locke, no final do século XVII e início do século XVIII.
Locke parte da
definição do direito natural como direito à vida, à liberdade e aos bens
necessários para a conservação de ambas. Esses bens são conseguidos pelo
trabalho.
Como fazer do
trabalho o legitimador da propriedade privada enquanto direito natural?
Deus, escreve
Locke, é um artífice, um obreiro, arquiteto e engenheiro que fez uma obra: o
mundo. Este, como obra do trabalhador divino, a ele pertence. É seu domínio e
sua propriedade. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe o mundo
para que nele reinasse e, ao expulsá-lo do Paraíso, não lhe retirou o domínio
do mundo, mas lhe disse que o teria com o suor de seu rosto. Por todos esse
motivos, Deus instituiu, no momento da criação do mundo e do homem, o direito à
propriedade privada como fruto legítimo do trabalho. Por isso, de origem
divina, ela é um direito natural.
O Estado existe a
partir do contrato social. Tem as funções que Hobbes lhe atribui, mas sua
principal finalidade é garantir o direito natural da propriedade.
Dessa maneira, a
burguesia se vê inteiramente legitimada perante a realeza e a nobreza e, mais do
que isso, surge como superior a elas, uma vez que o burguês acredita que é
proprietário graças ao seu próprio trabalho, enquanto reis e nobres são
parasitas da sociedade.
O burguês não se
reconhece apenas como superior social e moralmente aos nobres, mas também como
superior aos pobres. De fato, se Deus fez todos os homens iguais, se a todos
deu a missão de trabalhar e a todos concedeu o direito à propriedade privada,
então, os pobres, isto é, os trabalhadores que não conseguem tornar-se
proprietários privados, são culpados por sua condição inferior. São pobres, não
são proprietários e são obrigados a trabalhar para outros seja porque são
perdulários, gastando o salário em vez de acumulá-lo para adquirir
propriedades, seja porque são preguiçosos e não trabalham o suficiente para
conseguir uma propriedade.
Se a função do
estado não é a de criar ou instituir a propriedade privada, mas de garanti-la e
defendê-la contra a nobreza e os pobres, qual é o poder do soberano?
A teoria liberal,
primeiro com Locke, depois com os realizadores da Independência norte-americana
e da Revolução Francesa, e finalmente, no século XX, com pensadores como Max
Weber, dirá que a função do Estado é tríplice:
1. Por meio das leis e
do uso legal da violência (exército e polícia), garantir o direito natural de
propriedade, sem interferir na vida econômica, pois, não tendo instituído a
propriedade, o Estado não tem poder para nela interferir. Donde a idéia de
liberalismo, isto é, o Estado deve respeitar a liberdade econômica dos
proprietários privados, deixando que façam as regras e as normas das atividades
econômicas;
2. Visto que os
proprietários privados são capazes de estabelecer as regras e as normas da vida
econômica ou do mercado, entre o Estado e o indivíduo intercala-se uma esfera
social, a sociedade civil, sobre a qual o Estado não tem poder
instituinte, mas apenas a função de garantidor e de árbitro dos conflitos nela
existentes. O Estado tem a função de arbitrar, por meio das leis e da força, os
conflitos da sociedade civil;
3. O Estado tem o
direito de legislar, permitir e proibir tudo quanto pertença à esfera da vida
pública, mas não tem o direito de intervir sobre a consciência dos governados.
O Estado deve garantir a liberdade de consciência, isto é, a liberdade de
pensamento de todos os governados e só poderá exercer censura nos casos em que
se emitam opiniões sediciosas que ponham em risco o próprio Estado.
Na Inglaterra, o
liberalismo se consolida em 1688, com a chamada Revolução gloriosa. No restante
da Europa, será preciso aguardar a Revolução Francesa de 1789. Nos Estados
Unidos, consolida-se em 1776, com a luta pela independência.
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